Biometria facial: entenda a tecnologia e se há riscos do uso em condomínios
Mesmo com alguns riscos, esse tipo de reconhecimento é uma opção segura e prática para ser usada em portarias
Chegar no prédio após um dia de trabalho e abrir a entrada com chave ou esperar o porteiro liberar já é uma cena ultrapassada em muitos condomínios. No lugar disso, ocorreu a instalação de sistemas de biometria facial. Porém, a mudança, muitas vezes, não é comunicada com clareza para os moradores, que não sabem como a tecnologia funciona e se há riscos de segurança.
Pautados nisso, conversamos com especialistas para entender a evolução do uso da biometria facial e quais os riscos e as vantagens deste sistema de segurança.
Detecção facial
A tecnologia de biometria facial surge no contexto de desenvolvimento de duas áreas: a de visão computacional, que busca se igualar à humana e tomar decisões por conta própria, e a da biometria, que é o estudo de características físicas de identificação.
“O sistema de biometria facial começou a ganhar destaque no início do século 21, embora suas raízes possam ser rastreadas até décadas anteriores”, destaca o professor do curso de Técnico em Desenvolvimento de Sistemas do Senac EAD, Mauro Aguiar Duarte. Mesmo tendo sido desenvolvida há algum tempo, a tecnologia tem se aprimorado e tornado mais confiável nos últimos anos.
“A gente nasce, sem saber o que é um cachorro ou um gato. Então, vamos aprendendo, é um processo de aprendizado. Do mesmo modo, é preciso ensinar para o sistema que aquilo é um rosto e pertence a tal pessoa”, explica Marcelo Andrade da Costa Vieira, professor da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (USP).
Para identificar o que o nosso cérebro conhece como traços faciais, a máquina precisa transformar a informação em números. Algumas das características usadas pela biometria facial são:
Distância entre os olhos;
tamanho e forma do nariz;
distância entre o nariz e a boca;
contorno da mandíbula;
distância entre os olhos e a testa;
distância entre a boca e o queixo.
Com base no banco de dados, a tecnologia compara as imagens capturadas para fazer a correspondência do rosto. Segundo Marcelo, há uma variação de erro aceitável de alguns centímetros, que podem variar em cada contexto. “Isso varia na aplicação, por exemplo, se é no banco ou em um condomínio, é preciso ser mais rigoroso. Então, às vezes, é necessário que a tecnologia pegue mais características e garantir que a distância para o reconhecimento seja bem pequena”, diz.
Por causa desses limites para a identificação facial, é possível que pessoas com um rosto semelhante a uma do banco de dados sejam liberadas. “O sistema pode erroneamente identificar uma pessoa como outra devido a semelhanças superficiais entre seus rostos. Isso pode ocorrer se dois indivíduos tiverem características faciais muito semelhantes, como gêmeos idênticos, ou se o sistema não for preciso o suficiente”, fala Mauro.
No entanto, ambos os especialistas pontuam que esse erro é raro e não deve causar preocupação quando falamos de sistemas usados em condomínios. O contrário também pode ocorrer: quando o sistema tem dificuldade de reconhecer um rosto cadastrado.
“A biometria facial pode falhar, mas, da mesma forma, um porteiro pode confundir uma pessoa com outra”, opina Marcelo.
A falsificação de imagens, no entanto, é difícil de acontecer nos sistemas mais avançados. Usar uma foto de uma pessoa cadastrada, por exemplo, poderia ser eficaz há alguns anos, mas, hoje, não, pois a tecnologia já detecta fatores como movimento e também brilho e textura, o que evitaria o uso de vídeos como uma forma de burlar o sistema.
Outra dificuldade de detecção de rostos está ligada a um viés discriminatório. “Esse aspecto é bastante discutido, pois se levantou a hipótese de que ela reconhecia menos o rosto, que teria sido usado menos durante o treinamento da máquina”, conta o professor da USP.
O problema seria uma reprodução do preconceito humano e não uma dificuldade da tecnologia, segundo Marcelo. Isso porque, com o treinamento diverso por parte da empresa, a biometria facial se aprimoraria.
Quando a tecnologia é aplicada em espaços maiores e sem um banco de dados colaborativo, esse viés pode levar a consequências mais graves: como a prisão de inocentes – o que já aconteceu nos Estados Unidos e tem ocorrido no Brasil em estados que implementaram o reconhecimento facial como medida de segurança.
Para Marcelo, o uso desta tecnologia para segurança de cidades e eventos ou para encontrar criminosos é um dos desafios da biometria facial – já que não há um banco de imagens de todos os rostos e as pessoas podem estar usando adereços, como óculos e chapéu.
“Em eventos grandes, como o Carnaval, é quase impossível, porque você não tem banco de dados, não tem reconhecimento da face de todo mundo e nem sempre uma iluminação favorável”, reforça o professor.
Segurança dos dados
Apesar da tecnologia ser uma opção considerada segura quanto ao controle de acesso de pessoas a edifícios, a automatização também revive uma discussão sobre o vazamento de imagens, comum no uso de redes sociais, aplicativos e inteligência artificial.
“As imagens faciais são dados pessoais sensíveis e o vazamento delas pode resultar em sérias violações da privacidade das pessoas”, aponta Mauro. Em casos em que dados privados são compartilhados ou vazados, informações como identidade, localização e atividades das pessoas podem ser identificados. Isso pode levar a riscos cibernéticos, como extorsão e chantagem.
O professor do Senac EAD ainda aponta o risco do uso indevido de imagens, seja para a vigilância sem consentimento, seja para a discriminação com base em características faciais.
Quando os vazamentos ocorrem, a confiança nas empresas que usam reconhecimento facial pode ser prejudicada. Por isso, segundo Mauro, é importante que as empresas sejam transparentes sobre como as imagens são coletadas, armazenadas, processadas e protegidas. Além de implementar criptografia de dados e autenticação multifatorial, por exemplo, para uma maior segurança cibernética e cumprimento com as leis de proteção de dados.
Esse cuidado é importante para que os moradores possam saber o que está sendo feito com seus dados, que podem fornecer informações para um monitoramento pessoal. “O reconhecimento facial pode ser usado para rastrear e criar perfis detalhados do comportamento e dos movimentos das pessoas ao longo do tempo, o que levanta preocupações sobre vigilância em massa e potencial abuso de poder por parte de autoridades e empresas”, diz Mauro.
Enquanto isso, Marcelo acredita que, por mais que esse seja um risco existente e estudado, ele não é apenas um problema da biometria facial. “Você está tirando foto e colocando no Facebook, no Instagram ou salvando no Google Fotos. Essas imagens estão disponíveis mais fácil. Ainda são imagens pessoais, de família, enquanto na biometria é apenas o seu rosto”, opina.
Reconhecimento facial em condomínios
A biometria facial é considerada a melhor opção para condomínios na visão de Marcelo. Já Mauro acredita que o uso da tecnologia varia a depender de cada contexto. “Antes de adotar a biometria facial, é essencial realizar uma avaliação completa dos riscos e benefícios, além de garantir o cumprimento de regulamentações de privacidade e proteção de dados”, destaca.
Ao considerar esses cuidados caso a caso, a tecnologia pode trazer praticidades no controle de entrada em edifícios. Algumas das vantagens são:
Praticidade em relação a outras biometrias
O reconhecimento facial é uma biometria com captação mais simples, promovendo resultados mais precisos. A digital, por exemplo, por mais que seja um registro único em cada pessoa, é um dado mais difícil de ser colhido – já que não é possível captar todo o dedo de uma vez só, facilitando possíveis erros na hora do reconhecimento. Além disso, lavagens excessivas e uso de álcool em gel podem falhar a digital. Esse tipo de segurança também se tornou pouco higiênico no contexto da pandemia.
Quando falamos do reconhecimento por íris, o maior problema também está na captação. “As pessoas não têm íris igual, mas para recolher as informações é muito invasivo”, pontua Marcelo.
Por mais que a facial possa reconhecer outras pessoas parecidas, para o professor da USP, isso não é comum e, dificilmente, desconhecidos tentarão invadir prédios dessa maneira. “Quando bem implementada, a biometria facial pode oferecer uma identificação precisa dos residentes e visitantes do condomínio, reduzindo significativamente o risco de acesso não autorizado”, complementa Mauro.
Conveniência para os moradores
A biometria facial evita a necessidade de carregar chaves e cartões e pode ser mais prática do que o uso da digital. Em garagens, por exemplo, às vezes nem precisa abrir o vidro ou a porta do carro, como precisaria com o dedo. Isso é bom para quando estiver chovendo e também por questão de segurança.
A opção ainda é mais rápida e segura do que pins e senhas, que podem ser descobertos e fazer com que as pessoas fiquem mais tempo do lado de fora do prédio.
Registro de acesso detalhado
Se dentro das leis de proteção de dados, os registros detalhados de quem acessou o condomínio e em quais horários, podem contribuir com possíveis investigações de seguranças.